quinta-feira, 22 de maio de 2014

Usar a bússola. Mestre de Beaucicaut

Navigateurs utilisant la boussole. Miniature extraite d'un manuscrit (début du XVe siècle) du Livre des merveilles du monde, de Marco Polo.
Exemplar ilustrado pelos Mestre de Boucicaut e de Bedford.

5 comentários:

  1. Sem bússola, sem leme

    Cansada, exausta, do labor insano
    duma vida incolor, sem fantasia,
    vou ver se encontro, noutro meridiano,
    a emoção que desejo em cada dia.

    Vou procurar, sem lógica, sem plano,
    um pouco de aventura, de alegria.
    Não mais o miserável quotidiano,
    antes o vendaval que a calmaria.

    Antes dor... No barco em que navego,
    sem bússola, sem leme, louco e cego,
    vou procurar inexistentes rotas.

    Ó meu veleiro doido, sem governo,
    a caminho, talvez, do céu, do inferno,
    sobre espumas e asas de gaivotas.

    Fernanda de Castro

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  2. Este recebeu, na noite do primeiro de Março, um imponente envelope lacrado. Abriu-o: continha uma carta assinada Baruch Espinosa e um minucioso mapa da cidade, arrancado notoriamente de um Baedeker. A carta profetizava que a três de Março não haveria um quarto crime, pois a drogaria do Oeste, o bar da Rue de Toulon e o Hotel du Nord eram os vértices perfeitos de um triângulo equilátero e místico; o mapa demonstrava a tinta vermelha a regularidade deste triângulo. Treviranus leu com resignação esse argumento more geométrico e mandou a carta e o mapa a casa de Lonnrot - indiscutível merecedor de tais loucuras.
    Erik Lonnrot estudou-as. Os três lugares, com efeito, eram equidistantes. Simetria no tempo (3 de Dezembro, 3 de Janeiro, 3 de Fevereiro); simetria no espaço também... De repente, sentiu logo que estava prestes a decifrar o mistério. Um compasso e uma bússola completaram esta brusca intuição. Sorriu, pronunciou a palavra Tetragrámaton (de aquisição recente) e telefonou ao comissário. Disse-lhe:
    - Obrigado por este triângulo equilátero que esta noite me mandou. Permitiu-me resolver o problema. Amanhã sexta feira os criminosos estarão na prisão; podemos ficar descansados.
    - Então, não planeiam um quarto crime?
    - É precisamente porque planeiam um quarto crime que podemos ficar descansados.

    Jorge Luís Borges, in A morte e a bússola

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  3. Mas o maior interesse da figura estava no céu. Jorros e véus de luz pendiam como cortinas, enlaçando-se e enfestoando ganchos invisíveis com centenas de quilómetros de altura ou deslizando de lado no sopro de um vento inimaginável.
    - O que é aquilo? - ouviu-se a voz do vice-Reitor..
    - É um retrato da Aurora Boreal.
    - É um lindo fotograma - disse o Catedrático de palmeriano. - Dos melhores que já vi.
    - Perdoe a minha ignorância - interpôs a voz trémula do Diretor do Coro. - Mas se eu algum dia já soube o que é a Aurora Boreal, já esqueci. É o que eles chamam de Luzes do Norte?
    - É. Ela tem muitos nomes. É composta de tempestades de partículas carregadas e de raios solares de força intensa e extraordinária. São invisíveis, mas provocam esta irradiação luminosa quando interagem com a atmosfera. Se houvesse tempo, eu teria mandado pintar este slide para lhes mostrar as cores; verde e rosa claros, na maior parte, com um toque de escarlate ao longo da borda inferior daquela formação que parece uma cortina. Isto foi tirado com emulsão comum. Agora quero que vejam uma imagem tirada com a emulsão especial. (...)
    Lorde Asriel colocou um novo slide atrás da lente. A cena era a mesma: como acontecera com o outro par de fotos, muitas coisas visíveis à luz comum eram muito mais escuras neste, assim como as cortinas de luz no céu.
    Mas, no centro da Aurora, bem acima da paisagem sombria, Lyra distinguia alguma coisa sólida. Pressionou o rosto na fresta para ver melhor e constatou que os Catedráticos perto da tela também se inclinavam para a frente. O seu assombro cresceu ao ver ali no céu o contorno inconfundível de uma cidade: torres domos, muralhas...prédios e ruas, suspensos no ar! Ela quase se engasgou de susto.
    O Catedrático de Cassington comentou:
    - Aquilo ali parece... uma cidade!
    - Exatamente - confirmou Lorde Asriel.
    - Uma cidade em outro mundo, sem dúvida!? - o Decano disse em tom de desprezo.
    Lorde Asriel ignorouõ. Havia um frémito de excitação entre alguns Catedráticos, como se, tendo escrito tratados sobre a existência do unicórnio sem nunca terem visto um, lhes fosse apresentado um exemplar vivo, recém-capturado.
    - É aquele assunto do Barnard-Stokes? - quis saber o Catedrático de Palmeriano. - É, não é?
    - É isto que eu quero descobrir. - disse Lorde Asriel.
    Ele colocou-se a um lado da tela iluminada. Lyra via os seus olhos escuros a observar os Catedráticos que contemplavam o slide da Aurora; ela via também, ao lado dele, o brilho verde dos olhos do seu daemon. Todas as cabeças veneráveis estavam eretas, os óculos a brilhar; só o Reitor e o Bibliotecário estavam recostados em suas poltronas com as cabeças muito juntas.

    Philip Pullman, in A Bússola de Ouro

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  4. ANDORINHÃO
    Sou de novo o quinto.
    E não, não minto!
    Tinto...

    "Alem do regno de Rosmochoram, a quinhentas milhas no alto mar contra ho meo dia, som duas ylhas a .xxx. milhas hua açerca da outra. Em hua viuem os homeens sem molheres, e chamase por seu lingoagem ylha masculina. E em a outra som as molheres sem homens, e chamase ylha feminina. Os que em estas duas ylhas viuem som todos juntamente christaãos. As molheres nunca vam aa ylha dos homens, mas os homens vam a ylha das molheres, e moram com ellas tres dias e tres meses continuos, e mora cada hum em sua casa com sua propria molher. E despois tornamse aa ylha masculina, onde continuadamente estam todo ho outro tempo do anno. As molheres criam e tem consiguo os meninos machos atee quautorze annos, e despoys os mandam aos seus padres, e as filhas ficam em guarda dellas. Estas molheres nom tem outro cuydado e trabalho, se nom de criar a seus filhos e de çertos fruytos desta ylha, e os maridos proueem de mantijmento assi e aos filhos e as molheres. Elles som muy boõs pescadores, e tomam muitos pexes os quaes frescos e assy mesmo secos vendem aos mercadores, e guanham muyto daquelle pexe, e tomam e guardam pera sy mesmos daquelles pexes em grande auondança. Elles se mantem em leyte em carnes em pescados e em arroz.. Em este mar ha grande abastança de ambra, porque tomam ahy muytas e muy grandes baleas.
    Os homees desta ylha nom tem rey, mas conheçem a seu bispo por senhor, e som sogeitos ao arçebispo de Scorea. E tem proprio lingoagem."

    O LIVRO DE MARCO PAULO & all., conforme a impressão de Valentim Fernandes feita em Lisboa em 1502, Lisboa, Publicações da Biblioteca Nacional, 1922, Livro III, cap. xxxvij, 71,v.

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  5. Acabei de ler as crónicas dos meus alunos do segundo ano... No exame final, concebido por três professores, coloquei esta fantástica imagem... As crónicas são belas e quase todos falaram de "estrelas". Agradeço ao J.B.S., Autor do blogue.

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