quinta-feira, 15 de maio de 2014

Ilha de Graia. David Roberts

David Roberts, "Isle of Graia Gulf of Akabah Arabia Petraea". Ilustração do livro Holy Land, Syria, Idumea, Arabia, Egypt and Nubia, 1839



14 comentários:

  1. Por Todos os Caminhos do Mundo

    A minha poesia é assim como uma vida que vagueia pelo mundo
    por todos os caminhos do mundo,
    desencontrados como os ponteiros de um relógio velho,
    que ora tem um mar de espuma, calmo, como o luar
    num jardim noturno

    ora um deserto que o simum veio modificar,
    ora a miragem de se estar perto do oásis,
    ora os pés cansados, sem forças para além.

    Que ninguém me peça esse andar certo de quem sabe
    o rumo e a hora de o atingir,
    a tranquilidade de quem tem na mão o profetizado
    de que a tempestade não lhe abalará o palácio,
    a doçura de quem nada tem a regatear,
    o clamor dos que nasceram com o sangue a crepitar.

    Na minha vida nem sempre a bússola se atrai ao mesmo norte.
    Que ninguém me peça nada. Nada.
    Deixai-me com o meu dia que nem sempre é dia, com a minha noite que nem sempre é noite
    como a alma quer.

    Não sei caminhos de cor.

    Fernando Namora, in Mar de Sargaços

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    1. O Quinto Império

      Triste de quem vive em casa,
      Contente com o seu lar,
      Sem que um sonho, no erguer de asa,
      Faça até mais rubra a brasa
      Da lareira a abandonar!

      Triste de quem é feliz!
      Vive porque a vida dura.
      Nada na alma lhe diz
      Mais que a lição da raíz --
      Ter por vida sepultura.

      Eras sobre eras se somen
      No tempo que em eras vem.
      Ser descontente é ser homem.
      Que as forças cegas se domem
      Pela visão que a alma tem!

      E assim, passados os quatro
      Tempos do ser que sonhou,
      A terra será teatro
      Do dia claro, que no atro
      Da erma noite começou.

      Grécia, Roma, Cristandade,
      Europa -- os quatro se vão
      Para onde vai toda idade.
      Quem vem viver a verdade
      Que morreu D. Sebastião?

      Fernando Pessoa, in Mensagem


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  2. "Há fibras no coração humano que só vibram naquele meio, e nascem e morrem adormecidas no remanso dos empoeirados macadams da velha Europa."
    CAPELLO, Hermenegildo; IVENS, Roberto – De Angola à contra-costa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1886. Vol. 2, p.187

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  3. Que impressões então experimentávamos! Como parecia belo tudo o que nos cercava! Como nos sentíamos felizes, cheios de vida e saúde em presença de tanta novidade! Que ideias para o futuro! A imaginação representava-nos pintados com as mais vivas cores todas essas regiões da África central, no meio das quais nos íamos achar. Rios, lagos, montanhas desconhecidas, tudo nos povoava a mente, chegando ao extremo de temer que os diários não fossem suficientemente grandes para comportar tão numerosos apontamentos.

    CAPELO, Hermenegildo; IVENS, Roberto – De Benguela às terras de Iaca. Lisboa: Publicações Europa-América, 1996. Vol. 1, p. 56.

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  4. AVESTRUZ
    Serei o terceiro,
    mas saio já a terreiro.

    "Nous arrivâmes à Taboûc, qui est l'endroit attaqué par l'envoyé de Dieu. On y voit une source qui fournissait d'abord fort peu d'eau; mais, quand Mahomet y descendit et y fit ses ablutions, elle donna en grande abondance de l'eau pure et limpide, et elle n'a cessé de le faire jusqu'à ce jour, par suite de la bénédiction du Prophète de Dieu. [...]
    La grande caravane campe près de la dite source, et tout le monde s'abreuve de son eau. Ils y restent quatre jours, pour se reposer, faire boire les chameaux et préparer l'eau pour le voyage du désert dangereux, qui est situé entre El'ola et Taboûc."

    Ibn Battûta, VOYAGES I, Paris, La Découverte, 1997, pp. 256

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  5. A imagem contém (quase) todos os exotismos de que se fazia o imaginário da época em que foi desenhada. A ilha, o céu, o mar, as montanhas progressivamente menos nítidas, a areia que é de praia mas lembra a do deserto (a que não faltam sequer camelos), as personagens saídas das Mil e Uma Noites.
    E o título da imagem/ilustração, que tudo diz sem nada dizer.
    Eis uma viagem onde realizam muitas viagens: na geografia, no tempo, nas representações do outro em nós (porque não?)

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  6. SANTIAGO – ILHAS DE CABO VERDE
    /…/
    "Depois de ser duas vezes rechaçado por terríveis tempestades
    de sudoeste, o H.M.S.2 Beagle, brique de dez canhões, sob
    o comando do capitão Fitz Roy, da marinha real, zarpou de Devonport
    em 27 de dezembro de 1831. O objetivo da expedição
    era: completar o estudo das costas da Patagônia e da Terra do
    Fogo (estudo iniciado sob as ordens do capitão King, de 1826 a
    1830) – mapear as costas do Chile, do Peru e de algumas ilhas
    do Pacífi co, e, por último, fazer uma série de tomadas cronométricas
    ao redor do mundo. Em 6 de janeiro chegamos a Tenerife,
    onde fomos impedidos de desembarcar, devido ao temor de que
    trouxéssemos o cólera. Na manhã seguinte vimos a alvorada
    atrás da linha irregular da ilha Grande Canária, iluminando subitamente o pico de Tenerife, enquanto a parte inferior da ilha
    permanecia ainda oculta por nuvens aveludadas. Este foi o primeiro
    de tantos dias deliciosos para nunca mais serem esquecidos.
    Em 16 de janeiro de 1832, ancoramos em Porto-Praia.
    /…/
    Voltamos à venda para jantar. Uma enorme multidão de
    homens, mulheres e crianças, todos mais negros que o pez, se
    une para nos examinar. Nosso guia e nosso intérprete, faceiros,
    riam de cada coisa que fazíamos, cada palavra que pronunciávamos.
    Antes de deixar o povoado, visitamos a catedral, que
    não nos pareceu tão rica como a igreja, embora se orgulhasse de
    possuir um pequeno órgão de sons nada harmoniosos. Demos
    alguns xelins ao sacerdote negro; e o espanhol, dando-lhe uns tapinhas na cabeça, disse-lhe, com muita candura, que considerava
    que a cor da pele era algo de pouca importância. Regressamos
    então, na velocidade máxima de nossos cavalos, a Porto-Praia.
    /…/
    Darwin, Charles. Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo. Rio Grande do Sul, L&PM Pocket Ed. , v.2.

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  7. "t is midnight, now, and we break camp at six in the morning.
    They cal this camping out. At this rate it is a glorious privilegie to be a pilgrim to the Holy Land.
    (...)
    By half past six we were under way, and all the Syrian world seemed to be under way to. The road was filled with mule trains and long processions of camels. This reminds me that we have been trying for some time to think what a camel looks like, and now we have made it out. When he is down on all his knees, flat on his breast to receive his load, he looks something like a goose swimming; and when he is upright he looks like na ostrich with na extra set of legs. Camels are not beautiful, and their long under lip gives them na exceedingly «gallus» -(Excuse the slang, no other word will describe it) - expression. They have immense, flat, forked cushions of feet, that make a track in the dust like a pie with a slice cut out of it. They are not particular about their diet. They would eat a tombstone if they could bite it. A thistle grows about here which has needles on it that would Pierce through leather, I think; if one touches you, you can find relief in noyhing but profanity. The camels eat these. They show by their actions that they enjoy them. I suppose it would be a real treat to a camel to have a keg of nails for supper."

    Mark Twain, in The Innocents Abroad or The New Pilgrims´ Progress (1869)

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  8. Se o autor do blog o permitir, respondo, por esta via (não tenho outra)
    às questões que Deolinda Pereira colocou:
    Conheço Macau, tenho amigos em Macau e outros que lá estiveram a trabalhar que, entretanto, regressaram. E sei que Macau é um "melting pot". Macau é um bom local para se conhecer a perspetiva do outro. Quando afirmei que pretendi dar a perspetiva do outro, não tinha qualquer intenção, nem pretensão de dar lições a quem quer que fosse. Pela erudição revelada, quer pelo autor do blog quer pelos comentadores, não estou à altura de nenhum deles.
    Deolinda Pereira, não tem que explicar nada. Apesar de saber que o silêncio é de oiro, eu reajo sempre, respondo sempre. É um de muitos defeitos que tenho, e que, muitas vezes, me traz dissabores.
    O que me estimula a comentar é o facto de nunca saber o que o autor vai colocar e isso constitui um desafio intelectual muito estimulante e interessante. Parabéns ao autor.
    Ver como cada comentador reage é também estimulante. Parabéns aos comentadores (com ou sem máscara).
    Acresce ainda que, aqui, muito se aprende.
    O meu apreço e agradecimento por tudo isto.

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    1. Muito agradeço, mas eu estava a reagir com toda a sinceridade... De facto, sei muito pouco ainda sobre a questão da alteridade. Faço as minhas pesquisas, mas aquele texto de Darcy Ribeiro eu devia tê-lo lido há algum tempo e não o fiz... Esta área é para mim muito desafiante porque quase sempre fui "estrangeira"... Agradeço-lhe a resposta... e o que eu posso aprender com todos aqui estimula-me a ler, com uma melhor orientação...
      Quanto à máscara... ontem vi que havia muitos comentários e que o meu rosto era o único e interroguei-me se eu não deveria, por questões de forma, também usar um qualquer anonimato... É também a primeira vez que entro num blog... Ou seja, inocências... Um pormenor, não estou em Macau, estou na China Continental... Agradecida sempre!

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    2. Eu sei que quem comenta, assinando, pode experimentar um certo desconforto perante o anonimato. O anonimato é uma possibilidade que o programa de gestão do blogue contempla e eu admito, embora dentro de critérios relativamente apertados. De resto, há anónimos e anónimos. A evolução recente dos comentadores neste blogue vai no sentido de um peso cada vez maior de comentários assinados, por iniciais, nomes ou pseudónimos. O pseudónimo, mantendo o anonimato, tem a vantagem sobre este de distinguir o comentário, evitando o risco de considerar que todos os anónimos se reportam ao mesmo comentador. Obrigado, Deolinda por a todos nos honrares com os teus comentários. Sem "máscara", por favor. Obrigado a todos os outros comentadores, habituais ou ocasionais.

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  9. É engraçado notar como o anonimato se vai resolvendo por si mesmo. Compreendo que isso perturbe a Deolinda, sempre pronta a apresentar-se de forma inteira neste blogue. Não vejo como alguém que se apresenta como anónimo pode, nessa condição, invocar a respetiva incapacidade de deixar os outros sem resposta.

    Na verdade, também eu já me tenho interrogado se não seria caso de intervir aqui nesse formato (anonimato), mas nunca o fiz. Não me faria sentir bem. As iniciais distinguem os comentadores, que deixam de comentar como anónimos, para o fazerem como incógnitos. Aliás, muitas vezes, essas iniciais referem-se ao nome da pessoa. Eu mesma, uso a inicial (X) do meu apelido: Xavier. Acho graça, por razões óbvias.

    Quanto ao rosto, eu também tenho um, e não me importaria nada de o mostrar aqui, correspondendo desse modo ao legítimo apelo da Deolinda, caso fosse capaz de o editar neste perfil. Sou muito inepta no que diz respeito à net. Peço desculpa. Tentei e não consegui. Vou tentar outra vez.

    - Isabel X -

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  10. Não consegui. Vale o esforço!

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  11. Agradeço e perdoem se desviei as atenções da belíssima ilustração de David Roberts e dos outros interessantes comentários...
    Melhor que continuemos cada um a apresentar-se como se sente mais à vontade... para mim a questão agora é a de me interrogar como é que os dissidentes como Mark Twain e Chomsky conseguem combater com eficácia os que teimosamente, repetem "cravar as suas garras noutras terras"...

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