domingo, 13 de abril de 2014

Lisboa e Nápoles são as cidades mais bem situadas que visitei. Daniel Martins de Moura Guimarães

Lisboa (260 000 habitantes)

Começo por Lisboa. Devo-lhe a preferencia por ser a capital da minha pátria e ter sido o ponto de partida das minhas viagens na Europa.
Dos geógrafos e historiadores Urcullu, Cesar Fanin, Balbi, Bouillet e Ferdinand Denys, o primeiro dá-lhe 265 000 habitantes e todos os outros 260 000. O último fazendo menção do nosso recenseamento de 1836, que assinava a Lisboa 220 000 almas, não o admite. No que porém ninguém concordará é nos 169 823 habitantes do recenseamento de 1864. Explica-se no entretanto esta diferença, notando que os autores, a quem aludo, se referem à população desde Xabregas até Belém, e o recenseamento simplesmente à de intra muros.
Lisboa e Nápoles são as cidades mais bem situadas que visitei. Para bem se apreciar a beleza da primeira, não basta olhá-la de muitos e magníficos pontos de vista que tem, como Penha de França, castelo de S. Jorge, S. Pedro de Alcântara, etc. É preciso entrar a barra num lindo dia de Abril a Junho, quando as colinas marginais estão vestidas de verdura, entre a qual parecem esvoaçar as alvejantes velas duma multidão de moinhos, e ver este espectáculo ainda realçado por lindas habitações campestres, até que, onde o Tejo é mais majestoso, se ergue a cidade em anfiteatro sobre vários outeiros, que ostentam como em exposição os seus templos e palácios. Em frente da cidade é que as águas do rio, misturando-se ainda com as do Oceano, formam um soberbo golfo que, não excedendo a meia légua de largura entre Belém e a Praça do Comércio, é de duas léguas entre a alfândega e o Barreiro, e de três léguas entre Braço de Prata, arrabalde a Leste, e a vila de Aldeia Galega. Quem, como disse, entrar a barra numa bela manhã daquela estação e se não electrizar à vista de tal conjunto, ou é em demasia fleumático ou sofre de maneira que está insensível a todas as comoções.

D. M. de M. G, Guia do Amador das Belas Artes. Porto, Tipografia Comercial, 1871, p. 7-8.

1 comentário:

  1. LISBOA, VISTA DO TERRAÇO DO RAMALHETE

    Era como uma bela marinha, encaixilhada em cantarias brancas, suspensa do céu azul em face do terraço, mostrando, nas variedades infinitas de cor e luz, os episódios fugitivos de uma pacata vida de rio: às vezes uma vela de barco da Trafaria fugindo airosamente à bolina; outras vezes uma galera toda em pano, entrando num favor de aragem, vagarosa, no vermelho da tarde; ou então a melancolia de um grande paquete, descendo, fechado e preparado para a vaga, entrevisto um momento, desaparecendo logo, como já devorado pelo mar incerto; ou ainda durante dias, no pó de ouro das sestas silenciosas, o vulto negro de um couraçado inglês... E sempre ao fundo o pedaço de monte verde-negro, com um moinho parado no alto, e duas casas brancas ao rés da água, cheias de expressão - ora faiscantes e despedindo raios das vidraças acesas em brasa; ora tomando aos fins de tarde um ar pensativo, cobertas dos rosados tenros do poente, quase semelhantes a um rubor humano.

    Eça de Queirós, OS MAIAS, Lisboa, Livros do Brasil, s.d., pp. 10-11.

    ResponderEliminar