quinta-feira, 20 de março de 2014

Como é que o cônsul aprendeu tão excelente inglês? Mollie Bidwell

Pittsburg
29 Maio, 1873

Meu querido amigo
Recebi a sua bem-vinda carta esta manhã e quando reconheci a letra tremi e empalideci pois nunca esperei voltar a saber de si.
Estive à espera tão ansiosamente por notícias suas e cheguei à conclusão que voltara para a Europa e de que nunca mais o veria. Querido, a sua carta é um raio de felicidade na minha vida; que feliz estou esta noite por saber que está nos Estados Unidos e não nessa desagradável Havana. Imaginei-o com febres, com tudo de pior. Na verdade estive sempre doente desde que deixei Havana e não pode agora dizer que tenho bom ar porque estou magra e com péssimo aspecto.
Sobre a sua vinda a Pittsburgh: claro que virá e depressa também, querido, porque até lá sentir-me-ei quase louca. Quando vier terá que tomar um coche porque os transportes públicos estão interrompidos pelo arranjo das vias mas terá de mencionar ao condutor os Bidwells, em Oakland, ou irá certamente parar aos meus tios.
Que feliz me sentirei por vê-lo uma destas tardes pelas 2 horas, meu querido, não posso esperar e seria melhor não vir demasiado cedo pois isso não agradaria à Mamã e ao Papá, mas tenho que lhe contar o que eles disseram da sua carta. Depois de a ter lido, levei-a ao quarto do Papá e disse-lhe que tinha uma carta muito simpática de um amigo e que gostaria que ele a lesse à Mamã. Leu-a e disseram ambos que era uma carta estupenda. Mollie, como é que o cônsul aprendeu tão excelente inglês? E como é que foi querido? Deve ter feito progressos desde que chegou a Nova Iorque porque não fazia ideia que pudesse escrever um inglês tão bom: esteve este Inverno numa boa escola.
Quando chegar não diga a ninguém que eu escrevi esta carta, porque embora o Papá não o tivesse proibido, sei que ele preferia que eu não a tivesse escrito.
Agrada-me saber que está contente com o nosso país, custa-me a crer que gosta dele como diz, mas pode dizer-me tudo o que pensa dos bárbaros quando nos encontrarmos.
Espero que desculpe esta escrita já que escrevi à pressa, por ser tarde.
Meu querido, devo dizer-lhe adeus até o ver, o que espero não demore muito.
Penso que agora me sentirei melhor, porque me afligi continuamente consigo. Graças a Deus está completamente a salvo desse mar medonho e estará dentro em pouco comigo. Que felicidade!
Sempre sua
M.

Cartas de Amor de Anna Conover e Mollie Bidwell para José Maria Eça de Queiroz, cônsul de Portugal em Havana (1873-1874). Lisboa, Assírio & Alvim, 1998. p. 80-81.

2 comentários:

  1. Aprecio o tom de leveza com que o amor é expresso nesta carta. Um tom alegre e feliz, sem dramas ou melodramas. Ao contrário do que é comum relacionar com o amor. O que é pena.

    Mas, às vezes, faz falta alguma intensidade. Em contraponto, aqui deixo um excerto da minha autora preferida, de um livro que acabei de ler um destes dias:

    "- Sim - digo-te, pousando as mãos nos teus joelhos: - Desejo encontrar alguém que me ame com bondade, e saiba ler.
    - Alguém que queira ressuscitar para ti?
    - Sim, alguém que tenha para comigo essa memória.

    alguém que deixe espaços entre as palavras para evitar que a
    última se agarre à próxima que vou escrever
    alguém que admita que a cartografia dos animais e da
    pontuação não está ainda estabelecida
    alguém que eu possa ler diferentemente depois de me ler
    alguém que dirá aos animais e às plantas que nem sempre
    serão servos
    alguém que nos amarmos se reconheça de matéria estelar
    ou seja, Témia,
    ou seja,"

    Maria Gabriela Llansol, O Jogo da Liberdade da Alma (2003). Lisboa: Relógio D' Água Editores (p. 80)

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  2. A LINGUAGEM DO OUTRO

    Uma vez mais, a jovem inspeccionou os folhos do vestido, alisou as fitas; e, nessa altura, Winterbourne arriscou uma observação sobre a beleza da paisagem. Pouco a pouco, ia abandonando os seus receios, pois começara a aperceber-se de que a jovem não estava nem minimamente embaraçada. Seria talvez fria, talvez austera, talvez inclusivamente empertigada; porque era aparentemente assim - Winterbourne chegara já a esta generalização - que a maioria das raparigas americanas "que mantêm as distâncias" agiam; chegavam e plantavam-se precisamente em frente de uma pessoa para demonstrar quão rigidamente inabordáveis eram.
    Contudo, nem o mais leve rubor surgira na sua compleição, pelo que se tornava evidente não se sentir ofendida nem perturbada. Simplesmente, era composta - Winterbourne já anteriormente vira exemplos desses - de encantadoras e pequenas partes que se não harmonizavam entre si, que não formavam qualquer "ensemble"; e, embora olhasse para outro lado quando ele lhe falava, e não parecesse dar-lhe uma particular atenção, isso era apenas o seu hábito, o seu estilo, o resultado de não ter o mínimo conceito de "cerimónia" neste particular aspecto.

    Henry James, DAISY MILLER, Lisboa, Ed. Presença, 1988, pp. 20-21.

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