terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Procurar o amor neste deserto. Carlos de Oliveira

Soneto do regresso

Volto contigo à terra da ilusão,
mas o lar de meus pais levou-o vento
e se levou a pedra dos umbrais
o resto é esquecimento:
Procurar o amor neste deserto
onde tudo me ensina a viver só
e a água do teu nome se desfaz
em silabas de pó
é procurar a morte apenas,
o perfume daquelas
longínquas açucenas
abertas sobre o mundo como estrelas:
Despenhar no meu sono de criança
inutilmente a chuva da lembrança.

Carlos de Oliveira, Poesias: 1945-1960. Lisboa, Portugália, 1962, p. 163.

1 comentário:

  1. QUANDO VOLTAR

    Mãe!
    Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traz tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue verdadeiro, encarnado!
    Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
    Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.

    Quando voltar é para subir os degraus da tua casa um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.

    Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.

    Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
    Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!

    Almada Negreiros, IN Eduarda Dionísio et all., O OUTRO LADO DO TEXTO, Lisboa, Armazém das Letras, 1977, p. 141.

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