sábado, 21 de dezembro de 2013

Muitas vezes, ingenuamente, tiramos fotografias. Antonio Tabucchi

"Reconheces-me tu, ar, cheio dos lugares que um dia foram meus!" É um verso de Rainer Maria Rilke que neste livro é recorrente. Alguém está a regressar a um lugar que conheceu noutros tempos e pede ao ar  (o espírito do lugar?) que o reconheça, porque ele próprio não reconhece já esses lugares. Não reconhece o que contemplou noutros tempos nem o que nesse tempo sentia ao contemplar: as suas emoções, o seu eu de então. Cada lugar a que chegamos de viagem é uma espécie de radiografia de nós próprios. Muitas vezes, ingenuamente, tiramos fotografias com a ilusão de levarmos alguma coisa connosco. Mas as imagens são apenas a pele, pura aparência: o que esse lugar provoca em nós ao contemplá-lo e vivê-lo não é fotografável. Acontece o mesmo que com os sonhos. Impelidos pelo desejo de comunicar a emoção sentida a alguém e quase com espanto damo-nos conta de que a história daquele sonho era banal, era um sonho como qualquer outro: assim, ao contá-lo, não comunica nenhuma emoção, nem em quem nos escuta nem em nós próprios que o contamos. O que é que tinha então de tão especial para ter provocado tanta emoção? Nada. O importante daquele sonho não era o que acontecia, mas a maneira como o estávamos a viver: o sonho era a nossa própria emoção. Cada lugar é a mesma coisa. Contá-lo não significa descrevê-lo, mas conseguir transmitir, mesmo numa ínfima parte, as emoções que nos suscitou.

Antonio Tabucchi, Viagens e Outras Viagens. Lisboa, Edições Dom Quixote, 2013, p. 178-179.

3 comentários:

  1. Lendo este texto lembrei-me duma passagem do livro que comecei hoje a ler. Diz assim:
    "Visível e móvel, o meu corpo pertence ao número das coisas, é uma delas, está preso na textura do mundo, e a sua coesão é a de uma coisa. Mas, posto que se vê e se move, ele mantém as coisas em círculo à sua volta, elas são um seu anexo ou prolongamento, estão incrustadas na sua carne, fazem parte da sua definição plena, e o mundo é feito do mesmo estofo do corpo. Estas inversões, estas antinomias são maneiras diversas de dizer que a visão parte ou se faz do meio das coisas, aí onde um visível se põe a ver, se torna visível para si e pela visão de todo o tipo de coisas, aí onde persiste, como a água-mãe no cristal, a indivisão do que sente e do sentido."

    Merleau-Ponty, O Olho e o Espírito, Lisboa: Editorial Vega, 2013
    (p. 21)

    ResponderEliminar
  2. A recordação de uma determinada imagem não passa da nostalgia de um determinado momento; e as casas, as estradas, as avenidas,são infelizmente fugazes, como os anos.

    Marcel Proust, EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO I, DO LADO DE SWANN, Trad. de Pedro Tamen, Lisboa, Relógio d'Água, 2003, p. 446.

    ResponderEliminar
  3. “Há duas formas de viver a vida: Uma é acreditar que não existem milagres. A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.”
    F. Pessoa

    ResponderEliminar