sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Raros mortais que tinham a curiosidade dos caminhos. Vitorino Nemésio

Quando hoje falamos de turismo, de pousadas, de auto-estradas e de pérgolas, mal cuidamos nos tratos que passavam, há cem ou duzentos anos, os raros mortais que tinham a curiosidade dos caminhos. É verdade que essa espécie de sexto sentido, o dos horizontes laços, a poucos era dado. Andava-se de macho ou de liteira por dura necessidade. Os ricos afundavam-se em churriões ou cadeirinhas, confiando-se aos solavancos das parelhas de muda e à guarda dos criados de libré, de bacamarte aperrado. Os mais comodistas ou decrépitos nem precisavam de apear-se, em certos extremos: tinham no no assento da carruagem o beliche de wagon-lits e a cabine-lavabo. Assim, geralmente, não conservavam da jornada mais do que os ossos moídos.
Nós portugueses, grandes navegadores e escuteiros de continentes, fomos sempre fracos conhecedores dos cantos da própria casa, dando-se o caso espantoso de termos batido a Abissínia, o Tibé, o inferno, deixando intactos os recessos fragosos da Serra da Estrela e do Barroso. A não ser  o bom do D. Frei Bartolomeu dos Mártires, o santo Arcebispo de Braga, que a crermos Frei Luis de Sousa, jornadeou precisamente pelas Alturas do Barroso e desvios interamnenses, as primeiras notícias que temos de peregrinos de terrinhas escondidas são de viajantes estrangeiros dos séculos 
XVIII e XIX.
13-10-1948

Vitorino Nemésio, Viagens ao Pé da Porta. Lisboa, Editorial Pórtico, S/d, p. 29/30.

1 comentário:

  1. DIGRESSÕES NA NOSSA TERRA

    Benévolo e paciente leitor, o que eu tenho decerto ainda é consciência, um resto de consciência: acabemos com estas digressões e perenais divagações minhas. Bem vejo que te deixei parado à minha espera no meio da ponte da Asseca. Perdoa-me por quem és, dêmos de espora às mulinhas, e vamos que são horas.
    Cá estamos num dos mais lindos e deliciosos sítios da terra: o vale de Santarém, pátria dos rouxinóis e das madressilvas, cinta de faias belas e de loureiros viçosos. Disto é que não tem Paris, nem França nem terra alguma do Ocidente senão a nossa terra, e vale bem por tantas, tantas coisas que nos faltam.

    Garrett, VIAGENS NA MINHA TERRA, Lisboa, Portugália Editora, 1963, p. 69.

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