sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Preparo a minha viagem real a Portugal. Maria Gabriela Llansol

1 de Julho de 1979
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Preparo a minha viagem real a Portugal, mentalmente, num clima de distanciamento progressivo das tartines. Aceito a crise económica que se prepara, a crise cultural permanente numa espécie de onda que me persegue e me põe, por um dia que começou agora, ao abrigo do circunstancial. Olho para mim mesma, sentada, sobrecarregada com estas preocupações que pouco a pouco se distanciam porque, como sempre, quero escrever.

Maria Gabriela Llansol, Numerosas Linhas. Livro de Horas III. Lisboa, Assírio & Alvim, 2013, p. 91.

2 comentários:

  1. A ânsia de escrever de Maria Gabriela Llansol só me parece ter equivalente na minha ânsia de lê-la. No entanto, não conheço este texto dela. É como se ficasse à porta do templo, à porta da casa...

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  2. REGRESSAR A PORTUGAL?

    Nos meus primeiros tempos da Noruega, os dias minguados e sombrios do Inverno nórdico forçavam-me com frequência a acender a luz eléctrica às duas da tarde. Lá fora, frio, chuva, os clarões gelados do Kaffistova, e neve. Em torno de mim, paredes. Na mesa, o telefone calado. (Toca, toca, maldito!) E eu, desesperado, cirandava da sala para o quarto, do quarto para a cozinha, da cozinha para o piano, até que, farto daqueles limites de túmulo, rasgava uma porta qualquer no primeiro muro que encontrasse em frente. Saía e, durante horas, não parava, a chapinhar nas ruas empapadas de neve e lama.
    Tudo isto envolto na vigilância acolhedora da população da cidadezinha de madeira do Norte da Noruega (mais tarde incendiada pelos nazis), onde, aliás, logo nos primeiros tempos, fizera esta descoberta importante: ERA ALI TÃO ESTRANGEIRO COMO EM PORTUGAL.

    José Gomes Ferreira, TEMPO ESCANDINAVO, Lisboa, Portugália, 1969, p. 100.

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