terça-feira, 12 de novembro de 2013

A nossa última viagem foi aos Açores. Angelina Brandão

A nossa última viagem foi aos Açores numa época (1926) em que quase não se falava ainda nesse lindo arquipélago, e Raul Brandão partiu com o carinho que sempre dispensava a qualquer obra que empreendesse, e alguns milhares de escudos para estas nossas viagens de recreio.
As ilhas são maravilhosas na sua vegetação, encantadoras nos seus costumes, e as famílias açoreanas, quase todas fidalgas, são o mais obsequiadoras possível e de uma gentileza tão cativante que jamais esquece.
Que lindos e deliciosos dias passámos na Gorreana, solar de D. Angelina Gago e de seu marido Jaime Hintze - então governador civil em Ponta Delgada - modelos se educação e gentileza, nobres nos seus pergaminhos e nas suas virtudes.
À ilustre poetisa D. Alice Moderno, ao Dr. S. Bento e a muitas outras famílias, Morrison e Bulcão, no Faial, etc. que nos cumularam de atenções, devemos horas de conforto e amizade. Ms também junto delas, em todas as Ilhas, ficou um pouco do nosso coração.
Foi talvez esta a última viagem, que tanto nos encantou, a causa do avanço mais rápido da doença de Raul Brandão porque a sua saúde já era precária e o trabalho foi exaustivo, a aproximação constante do mar devia ter influído na depressão tão grande do seu coração.

Maria Angelina Brandão, Um Coração e uma Vontade. Memórias. Coimbra, Oficinas, Atlântida, 1959, p. 234-235.

1 comentário:

  1. AS ILHAS NO MAPA

    Só os poetas estabelecem conexões entre as suas ilhas imaginárias e os objectos que estão na base da nossa civilização. As dos Açores não constituem excepção. A literatura tenta fazer delas uma forma-padrão que seja também a medida das coisas que existem nelas e ao redor. Por isso esta minha visão, desde que aplicada de sul para norte, sendo embora precária e provisória, não anula nem institui nada de novo a respeito dos Açores. Se as olhar ao contrário, de norte para sul ou de oeste para leste, é certo que tudo nelas se inverte: muda-se a visão, alteram-se as fantasias que elas me haviam sugerido ao olhar.
    Também o nosso modo de ver, ao olharmos de uma ilha para a outra, em tudo se modifica.


    João de Melo, AÇORES. O SEGREDO DAS ILHAS, Lisboa, Pub. Dom Quixote, 2000, p. 4.

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