sábado, 28 de setembro de 2013

Viajando em pensamento. Goethe

Agora amigo, ao regressar do mundo vasto, quantas esperanças frustradas, quantos planos destruídos! Olhei as montanhas em frente, que mil vezes haviam sido o objecto dos meus desejos. Era capaz de me sentar horas a fio, viajando em pensamento até lá, de me perder, com fervor, por florestas e vales que, envoltos em névoa, pareciam sorrir-me: e, quando, a uma hora certa, tinha de regressar, com que relutância não deixava aquele lugar amado!

Johann Wolfgang von Goethe, A Paixão do Jovem Werther. Vila do Conde, Quidnovi, 2012, p. 92.

2 comentários:

  1. No Fausto de Goethe, Mefistófeles hesita, ao traduzir o início do Evangelho segundo o apóstolo João, e propõe substituir "No princípio era o Verbo..." por "No princípio era o pensamento..." e acaba por optar por "No princípio era a ação..." ou a viagem.

    "Viajando em pensamento" é já outra coisa, outra dimensão. Da viagem? Da ação? Do pensamento? Certamente. Só não sei como se pensa sem verbo.

    Mas a linguagem aqui é cifrada. Os lugares do pensamento não são os da ação: aqueles para que se viaja. Daí, talvez, a relutância em deixar "aquele lugar amado!"

    Oxalá fosse possível "viajar em pensamento"! Não sei se é. Até por haver "relutância" em deixar o "lugar amado".

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  2. GOETHE ANTES DE GOETHE

    "Alegres campos, verdes arvoredos,
    Claras e frescas águas de cristal,
    Que em vós os debuxais ao natural,
    Discorrendo da altura dos rochedos;
    Silvestres montes, ásperos penedos,
    Compostos em concerto desigual:
    Sabei que, sem licença de meu mal,
    Já não podeis fazer meus olhos ledos.
    E, pois já não me vedes como vistes,
    Não me alegrem verduras deleitosas
    Nem águas que correndo alegres vêm.
    Semearei em vós lembranças tristes,
    Regar-vos-ei com lágrimas saudosas,
    E nascerão saudades de meu bem."

    Camões, LÍRICA DE CAMÕES, Edição Crítica pelo Dr. José Maria Rodrigues e Afonso Lopes Vieira, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1932, p. 140.

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