quinta-feira, 26 de setembro de 2013

As viagens das palavras (I). Carolina Michaëlis de Vasconcelos


Quanto à utilidade dos elementos estranhos, ou ao prejuízo que causam, é certo que nenhuma nação civilizada passa sem eles. A faculdade genial que criou as línguas humanas, em milhares de séculos, extinguiu-se, mas não se extinguiu a que constantemente produz objectos novos e descobre factos e fenómenos desconhecidos. E, por mais fértil que seja a faculdade de formar derivados e compostos, ela tem os seus limites.
Por isso os povos trocam entre si não só os seus produtos mas também os seus nomes.
Do mesmo modo literatura alguma pode passar sem termos livrescos, poéticos, sublimados, que em estilo elevado substituem os já gastos pelo uso diário.
Eles embelezam a expressão das ideias e facilitam o estudo de línguas estrangeiras e das ciências. Combater os Lehne Fremdwörter é quixotesco.
Imaginem que dificuldade seria se cada língua, em lugar de se servir da terminologia científica internacional (greco-latina), inventasse para denominar a electricidade, o telefone, o telegrama, a radiografia, palavras exclusivamente suas, diferençadas.

Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Lições de Filologia Portuguesa. Segundo as Prelecções feitas aos Cursos de 1911/12 e !912/13. Lisboa, Revista de Portugal, 1956, p. 284.

1 comentário:

  1. Que engraçado "diferençadas". Julgava que era "diferenciadas".
    Esta renovação da língua a que alude Carolina de Vasconcelos faz-me lembrar Roland Barthes no "Prazer do Texto", quando se refere a "Babel Feliz". Ao contrário do que a Bíblia e outros textos religiosos assumem: que a Torre de Babel é um castigo divino.


    Cada língua que aprendemos alarga o nosso horizonte semântico. Acrescenta o âmbito dos possíveis. O pensamento aumenta: ninguém pensa sem palavras.

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