segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O melhor remédio contra o tédio. Teixeira de Pascoaes

10 de Abril 1926
Lisboa

Queridíssimo amigo [Raul Brandão]:

Não tenho querido interromper os seus trabalhos com palavras minhas.
Jesus Cristo em Lisboa já está concluído? Assim seja!
Eu tenho andado preocupado com o exame para chauffeur. Fi-lo ontem e fiquei aprovado. Tenho, enfim, um modo de vida. Já sou mais do que um simples poeta melancólico. O que lhe digo é que é um exercício admirável guiar um carro! Faz um grande bem à saúde e é o melhor remédio contra o tédio. Os autos deviam vender-se nas farmácias e serem receitados pelos médicos, como as águas do Gerês ou do Vidago.
Agora preparo as minhas coisas para partir. Estou desejoso de me encontrar na minha aldeia, ao longo daquelas estradas ermas, numa corrida ideal, mas temperada pela prudência, para não haver quebra de ritmo nem de pernas.
Depois da sua partida, York House ficou bastante deserta. Só o Justino e a sua eterna mocidade espalha alguma luz no escuro interior deste convento. O Eça de Queirós continua a ser a mesma vela de cera de pavio mortiço e não sei que mais! Falta-me a língua. As meninas italianas já divagam, a estas horas, na Via Ápia e sob o Arco de Trajano, a recitar versos em grego aos fantasmas de Horácio e de Virgílio. A porta do seu quarto continua fechada. Nunca mais a sua figura me apareceu para imos tomar um café à Brasileira! O que me vale é estar próxima a minha partida. Tenciono sair daqui, na quinta-feira, de manhã, dia 15. Depois, aparecerei aí, para tratarmos, no Porto, da Renascença. Recebi uma carta muito interessante do Vicente Risco sobre a questão galaico-portuguesa, que vem ao encontro do nosso pensamento.
Todos os meus lhe recomendam muitíssimo e à Ex.ma Senhora D. Angelina. O Henrique envia-lhe muitas saudades e tem continuado a trabalhar no Poema, sempre admirável. Espero que ele vá comigo. Assim seja.
Abraço-o com a maior amizade,
Joaquim [Teixeira de Pascoaes]

Raul Brandão - Teixeira de Pascoaes: Correspondência. Recolha, transcrição, actualização de texto, introdução e notas de António Mateus Vilhena e Maria Emília Marques Mano. Lisboa, Quetzal Editores, 1994, p. 139-140.

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