sábado, 8 de junho de 2013

Acenei-lhe com um ramo de ervilhas de cheiro. Irene Lisboa

A sua partida adiada de semanas chegou enfim. Veio o tal dia, igual e diferente sempre, da multidão no cais, da gente à amurada, das ultimas conversas que mal se percebem... Com o aumento das velocidades este aspecto mole e sentimental das despedidas há-de acabar, mas por ora ainda é assim. Também eu surdi no cais e furei por meio da multidão com o meu raminho de flores. Descobri a bordo o rosto da dama do teatro. À luz da tarde e em traje de passeio parecia-me um pouco diferente, menos senhoril e preciosa. Helma não aparecia. Mas lá por fim, tímida e com um riso sem mira, apareceu por detrás de todos. Acenei-lhe com o meu ramo de ervilhas de cheiro até que o seu vago sorriso se fixou em mim.
Aquele sorriso era uma das tais coisas que me sensibilizavam.
Como me hei-de eu manter na delicada posição de preceptora que se respeita?, queria ele dizer ali. Esta posição era perturbada pelo contacto com os novos estranhos.
A despedida dos diplomatas, embora em férias, ainda era sublinhada por um elegante ramo de rosas e a dela por um modesto punhado de ervilhas... Mas não era isso que a chocava certamente; devia ser a partida, o desconhecido, sentir-se só!

Irene Lisboa, Esta Cidade! 2a edição. Lisboa, Presença, 1995. p. 58-59.

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