domingo, 12 de maio de 2013

Avião de Lisboa para o mundo. Alexandre O'Neill

Soneto

No céu duma tristeza cor de farda,
uma angústia de nuvens se desenha.
O amor já morreu: que o tempo venha
Desmantelar o que a memória guarda.

Jogai! jogai! Quem não jogar não ganha
Nem perde. É a última cartada.
Eu aposto na vida, mesmo errada.
Talvez outro destino me sustenha.

Avião de Lisboa para o mundo,
Apaga-me a tristeza com as asas,
Tão nítidas no céu em que me afundo!

Depois desaparece atrás das casas
E deixa-me o azul, o azul profundo,
E duas nuvens de razão tocadas.

Alexandre O'Neill

1 comentário:

  1. “Tudo que a memória amou, ficou eterno.”
    Em que crer? Na prece (soneto) de O’Neil ou na certeza de Adélia Prado?
    Sugere quem possui um saber de experiência feito que devem limar-se, pacientemente, os cacos em que nos partimos, aresta por aresta, os feios, os bonitos, os assim-assim. Dispondo-os depois numa das prateleiras do subconsciente arrumados, encostadinhos uns aos outros, uns para cima, outros para baixo, outros de lado, de modo a que possibilitem lindas leituras estéticas.
    Diz quem já experimentou que ninguém corre o risco de voltar a cortar-se quando a memória resolver pegar-lhes, porque a memória tem a incrível particularidade de lembrar o que gostaríamos de esquecer, quando o tempo garante que já o tínhamos conseguido.

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